Blog literário

Esperamos que este espaço recém inaugurado sirva para aproximar estudantes de letras interessados em literatura. Fugindo do convencional, este blog propõe uma metodologia diferenciada para atrair alunos do ensino médio.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Intertextualidade

Clandestina felicidade (Brasil, 1998 - curta metragem - 35mm - ficção - 15 minutos - P&B)

Fragmentos de infância, descoberta do mundo pelo olhar curioso, perplexo e profundo da criança-escritora Clarice Lispector, a menina ucraniana que descobriu no Recife a felicidade clandestina, tornando-se uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos.

Direção: Beto Normal e Marcelo Gomes
Elenco: Luisa Phebo, Nathalia Corinthia, Luci Alcântara

CLANDESTINA FELICIDADE
Por Renata Marques

Produzido pela Parabólica Brasil, “Clandestina Felicidade” (1998) de Beto Normal e Marcelo Gomes é uma livre adaptação dos contos autobiográficos “Felicidade Clandestina” e “Restos de Carnaval”, ambos de Clarice Lispector. No curta de 15 minutos e rodado em formato 35mm, é contada a estória de Clarice com seus, aproximadamente, 10 anos, sua diferente percepção sobre o mundo já na infância, sua curiosidade de menina, sua personalidade intensa e sua paixão pela leitura. Aborda ainda uma época de transição na vida da autora e as armações de sua amiga Reveca para não lhe emprestar um livro. O aspecto biográfico do filme fica explícito nas cores que foram utilizadas, ou melhor, na ausência delas: o preto&branco dá um tom de memória às imagens. O curta se inicia com uma imagem do Recife Antigo e uma passagem de tempo: primeiramente, um portão de Igreja e um carro moderno que passa à sua frente, então, após um homem atravessar sua calçada, é a vez de um carro de época passar e cruzar-se com Clarice menina pulando amarelinha. Esse fato ilustra bem o que se percebe ao longo de todo o filme; mais do que pano de fundo, o Recife tem a importância de um personagem na estória, assim como teve, de fato, na vida da autora. Outro aspecto relevante dessa primeira cena é o olhar da menina diretamente voltado para a câmera, esse fato se repetirá algumas vezes, ora sem diálogo, ora utilizando-se deste, o que enfatiza essa peculiar interação. Além de mostrar o dia-a-dia, a sua boa relação com a família, a sua frustração pela publicação no jornal de estórias bobas (contos de fadas) ao invés das suas estórias não-convencionais sobre “coisas que vinham na sua cabeça” e a sua vontade de escrever “um livro que não acaba nunca” quando crescer, a estória tem como principal conflito a “tortura” a qual Clarice é submetida por Reveca em função do livro “Reinações de Narizinho”. O clímax acontece no momento em que a protagonista, após perder a mãe, recebe de seu pai a notícia da mudança para o Rio de Janeiro. Esse fato a deixa aflita com a possibilidade de não conseguir ler o livro e provoca a reviravolta no filme quando a menina vai à casa de Reveca tentar pegar o “objeto do seu desejo” e percebe que foi enganada por todo o tempo com desculpas esfarrapadas; é aí que a mãe de Reveca reverte a situação emprestando-lhe não só aquele livro, mas qualquer outro que queira. Por fim, Clarice se vê com o livro em mãos, segurando-o, com um sorriso nos lábios, como uma grande conquista. Lê a obra degustando página por página, linha por linha e transpirando felicidade plena. Outra cena de valor relevante é a que mostra a antes alegre menina, agora aflita pela sua saúde de sua mãe em meio a um bloco de carnaval onde todos se divertiam alheios à sua tristeza ao som de um frevo alternado com uma batida firme de tambores, como uma marcha fúnebre. Neste trecho e em todo o curta, a presença da trilha sonora mostra-se um componente de grande importância, além da iluminação e da fotografia, ambas excelentes. Um momento que reúne perfeitamente todos esses aspectos é a cena na biblioteca, onde Clarice, ao som de “Somewhere over the Rainbow”, protagoniza uma cena que emana emoção, demonstrando a fascinação que os livros produziam nela. No filme, há ainda referências de outras obras da autora: a existência de uma personagem chamada Macabéa (protagonista de “A hora da estrela”); imagens de aves e ovos que podem remeter a “O ovo e a galinha” (também publicado na coletânea “Felicidade Clandestina”); e ainda tantas outras frases e idéias que foram escritas pela autora em outras obras. Em suma, “Clandestina Felicidade” é uma mistura de alguns dos muitos bons momentos da obra de Clarice Lispector que, inevitavelmente, deu certo.

CLANDESTINA FELICIDADE
Por Maria Cecília Hunka

O curta “Clandestina Felicidade”, dos diretores Beto Normal e Marcelo Gomes, é baseado nos contos “Felicidade Clandestina” e “Restos de Carnaval”, que retratam fatos da infância de Clarice Lispector no Recife. Esse foi uma das primeiras obras de Marcelo Gomes, cineasta de Cinema, aspirinas e urubus. Se trata de uma livre interpretação desses contos, tendo 14 minutos de duração.
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, numa aldeia de nome complicado: Tchetchenillk, no ano de 1925. Os Lispector emigraram da Rússia para o Brasil no ano seguinte. Fixaram-se no Recife, onde a escritora passou a infância. Clarice tinha 12 anos e já era órfã de mãe quando a família mudou-se para o Rio de Janeiro. Felicidade clandestina, publicado pela primeira vez em 1971, reúne 25 contos que falam de infância, adolescência e família, mas relatam, acima de tudo, as angústias da alma. Como é comum na obra de Clarice Lispector, a descrição dos ambientes e das personagens perde importância para a revelação de sentimentos mais profundos. Essa obra possui os dois contos em que é baseado esse curta.
A montagem do curta de forma fiel aos contos é bastante complicada, pois cada um deles tem uma conclusão, porém a mesma se torna possível pelo fato de ambos mostrarem a facilidade que a menina Clarice tem de encontrar felicidade nas coisas pequenas da vida. O curta procura expressar em diálogos e imagens todos os sentimentos expressos nos textos, o que pode ser bem interpretado por um espectador que já tenha lido os contos, mas também abre um grande leque interpretativo para o espectador leigo.
Em Clandestina Felicidade há diversas passagens que não foram tiradas dos contos, o que mostra que houve um estudo sobre a vida e a obra da escritora/personagem para a produção do roteiro. Os diretores se abstêm dos pensamentos e inserções narrativas, explorando apenas diálogos, havendo também o acréscimo de cenas, o que é válido, pois, apesar do aumento de informações, não é causado desvio da atenção do espectador do objetivo principal do texto. O curta difere um pouco dos contos no seu conceito primário, levando a uma construção diferenciada. Analisando-se mais profundamente a sua construção, nota-se que em seu roteiro há a predominância de elementos do texto “Felicidade Clandestina”, pois é ele que retrata melhor os sentimentos de Clarice diante do mundo e seu amor pela leitura, assumindo o conto “Restos de Carnaval” menos destaque.
Ao mesmo tempo em que retrata a infância da escritora, faz um passeio pela cidade do Recife, mostrando suas ruas e carnaval, mostrando o seu encantamento e o fascínio que despertava na menina que tinha, como um dos seus sonhos, participar daquela festa belíssima fantasiada. O diretor deixa a câmera solta, passando despercebida, deixando o curta com um aspecto bem simples e levando o espectador a viajar pelas memórias de Clarice como se fossem suas próprias memórias, havendo essa integração forte, onde se pode sentir a dor de Clarice cada vez que ela ia a casa da amiga perguntar sobre o livro, ou sua alegria quando a mãe da menina colocou todos os livros da biblioteca a sua disposição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário